segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Histórias de Vida...Caso 2 - "Fora da Realidade"

Este caso passou-se numa família monoparental (mãe e dois filhos), onde foi filmada a interacção mãe-filho com um bebé de seis meses nascido de 33 semanas. O bebé estava ao colo da mãe e a sua postura era rígida. A mãe segurava-o como se tratasse de um bebé de um ou dois meses. Apesar de estar ao colo da mãe, não havia contacto ocular ou qualquer reciprocidade. A mãe, muito sorridente, olhava o bebé e depois sorria para a câmara.
Pouco tempo após ser iniciada a filmagem, o irmão mais velho de três anos entra na sala. A mãe dirige a atenção para o filho mais velho e ajuda-o a subir para o triciclo (enquanto segura o bebé). A partir desse momento, o jogo passa a centrar-se, exclusivamente, entre o filho mais velho e Maria (a mãe).
Passado o primeiro minuto, o irmão mais velho quer pegar no irmão mais novo. Com a permissão da mãe, segura o irmão desajeitadamente pelo pescoço e o bebé começa chorar. O bebé bate com a cabeça no triciclo e a mãe ri-se. O irmão mais velho ri-se e agride intencionalmente o bebé. A mãe diz para não o fazer, mas não retira o bebé do colo do irmão e continua a sorrir. Passado algum tempo, a mãe recupera o bebé. O bebé choraminga mas não recebe conforto. A interacção continua sob a aparente “boa disposição” da mãe. Subitamente, o irmão mais velho, ao sair do triciclo, parece que vai cair e, para o ajudar, a mãe larga o bebé, deixando-o cair no chão (a cerca de um metro de altura). O choro do bebé é intenso. A mãe demora a pegar-lhe ao colo e continua a sorrir para a câmara. Mais tarde, a criança mais velha está a brincar e tropeça num tapete. A queda não tem gravidade; a criança levanta-se sem chorar e continua a brincar. Inesperadamente, a mãe dá-lhe uma bofetada. Tudo isto acontece em três minutos e meio.
A situação foi considerada de alto risco atendendo à falta de empatia da mãe após ter deixado cair o bebé. A equipa de intervenção precoce estava há muito tempo preocupada com o caso e, quando regressou ao domicílio, Maria tinha fugido e deixado para trás as crianças sozinhas.
A equipa acabou por perder o rasto às crianças.

AFINAL ... O QUE É A INTERVENÇÃO PRECOCE?

Histórias de Vida...Caso 1 - "De costas para a criança para não encarar a vida"

         Numa sala relativamente despojada de móveis mas com tapetes de actividades no chão e com brinquedos muito diversos, convidamos a Francisca e a sua mãe a entrarem. Madalena parecia tão confusa como a filha; pedimos-lhe que brincasse com a sua filha de 11 meses como habitualmente o fazia em casa. Madalena tinha aceite participar no estudo e sabia que tinha “apenas” que brincar com a filha durante cinco minutos enquanto o jogo era filmado. Mãe e filha faziam parte da amostra: 2 “famílias oriundas de meios socioeconomicamente desfavorecidos com bebés nascidos de termo”. 
          Depois do reconhecimento do espaço, Madalena sentou a filha em frente aos brinquedos e sentou-se de costas para ela. Passaram dois minutos (uma infinidade de tempo, do ponto de vista do observador) e nada aconteceu. As duas ficaram quietas mirando em silêncio o espaço.
O bebé, por duas vezes, levantou os braços em direcção aos brinquedos. O observador, seguindo o protocolo destas situações, relembrou as regras à mãe: “pode brincar com a criança, se quiser use os brinquedos!” A mãe colocou a criança ao seu colo, mas de costas para si (sem nunca espreitar para monitorizar as reacções das criança) e abanou uma roca durante 5 minutos. Mãe e filha permaneceram todo o tempo em absoluto silêncio.
Madalena de 18 anos, casada, nunca tinha tido emprego e completou apenas quatro anos de escolaridade. Toda a família vivia de subsídios estatais.
          Madalena comparecia a todas as sessões com a equipa de intervenção precoce embora permanecesse conspicuamente passiva mas sempre atenta.
            A equipa de intervenção precoce que tinha apresentado o caso à equipa de investigação centrava as suas preocupações nos aspectos desenvolvimentais. O elevado atraso de desenvolvimento da criança preocupava os técnicos. A investigadora principal e uma outra cotadora (independente e “cega” relativamente aos objectivos do estudo) pontuaram a relação mãe-filho na categoria de risco. O registo filmado informava que mãe e a filha estavam pouco habituadas a interagir ou a desenvolver actividades em conjunto.
           Neste caso, a equipa de intervenção precoce e os investigadores aliaram esforços. Uma vez concluída a recolha e análise dos dados, de modo a não enviesar o estudo, e com o consentimento da família: técnicos e investigadores reuniram-se num workshop sobre “Intervenção precoce na vinculação e envolvimento parental” e o caso foi discutido, apresentando as melhores maneiras de ajudar a família.
          Cinco anos depois, Madalena está empregada e a estudar. Por seu turno, a Francisca progrediu bem e fez uma excelente adaptação à escolaridade do primeiro ciclo.

(Casos: F.Marina. A outra face da investigação: Histórias de vida e práticas de intervenção precoce. Escola Superior de Educação de Lisboa)
imagem: http://bruna-avanzo.blogspot.com/ visitado no dia 25.10.2010)